1 - INTRODUÇÃO
O concurso de pessoas, também denominado de
concurso de agentes, concurso de delinquentes (concursus delinquentium) ou co-delinquência, implica na
concorrência de duas ou mais pessoas para o cometimento de um ilícito penal.
Há quem denomine, ainda, o concurso de pessoas de
co-autoria ou co-participação.
Ocorre, no entanto, que essas expressões não são
propriamente sinônimos de concurso de pessoas, mas sim espécies deste último,
que abrange tanto a autoria quanto a participação. Aliás, esse foi o
entendimento da própria comissão reformadora da parte geral do Código Penal,
conforme pode se ver do item 25 da exposição de motivos: “Ao reformular o
Título IV, adotou-se a denominação ‘Do Concurso de Pessoas’ decerto mais
abrangente, já que a co-autoria não esgota as hipóteses de concursus delinquentium”.
Não há que se confundir o concursus delinquentium (concurso
de pessoas) com o
concursus delictorum (concurso de crimes) nem
tampouco com o concursus normarum
(concurso
de normas penais). São três institutos penais totalmente distintos, muito
embora possam vir a se relacionar.
2.
DEFINIÇÃO.
O Código Penal Brasileiro não traz exatamente uma
definição de concurso de pessoas, afirmando apenas no caput do art. 29 que
“quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este
cominadas, na medida de sua culpabilidade”.
O diploma penal pátrio dispõe, ainda, que “se a
participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a
um terço” (art. 29, § 1º), bem como que “se alguém dos concorrentes quis
participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena
será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais
grave” (art. 29, § 2º).
Em nível doutrinário, tem-se definido o concurso de
agentes como a reunião de duas ou mais pessoas, de forma consciente e
voluntária, concorrendo ou colaborando para o cometimento de certa infração
penal.
Deveras, é possível extrair pelo menos 4 (quatro) elementos
básicos do conceito de concurso de pessoas, quais sejam:
a) Pluralidade de agentes e de
condutas;
b) Relevância causal de cada
conduta;
c) Liame subjetivo ou normativo
entre as pessoas;
d) Identidade de infração penal.
Caso
inexista qualquer desses requisitos não há que se falar em concurso de pessoas.
2.1.
Pluralidade de agentes e de condutas.
A própria idéia de concurso é de pluralidade, portanto
impossível falar em concurso de pessoas sem que exista coletividade (dois ou
mais) de agentes e, consequentemente, de condutas. Note-se, entretanto, que é
necessário, até pelo primado maior da culpabilidade (isto é, da
responsabilização das pessoas “na medida de sua culpabilidade”), que se
diferencie o autor do mero partícipe.
2.2.
Relevância causal de cada conduta.
Não basta a multiplicidade de agentes e condutas para
que se tenha configurado o concurso de pessoas; necessário se faz que em meio a
todas essas condutas seja possível vislumbrar nexo de causalidade entre elas e
o resultado ocorrido. Diz-se, nesse sentido, que a conduta de cada autor ou
partícipe deve concorrer objetivamente (ou seja, sob o ponto de vista causal)
para a produção do resultado. Ou, ainda, que cada ação ou omissão humana
(conduta) deve gozar de importância (relevância), à luz do encadeamento causal
de eventos, para a verificação daquele crime, contribuindo objetivamente para
tanto.
Desse modo, condutas irrelevantes ou insignificantes
para a existência do crime são desprezadas, não constituindo sequer
participação criminosa; deve-se concluir, nesses casos, pela não concorrência
do sujeito para a prática delitiva. Isso, porque, a participação exige mínimo
de eficácia causal à realização da conduta típica criminosa.
2.3.
Liame subjetivo ou normativo entre as pessoas.
Necessário, também, que exista vínculo psicológico ou
normativo entre os diversos “atores criminosos”, de maneira a fornecer uma ideia
de todo, isto é, de unidade na empreitada delitiva. Exige-se, por conseguinte,
que o sujeito manifeste, com a sua conduta, consciência e vontade de atuar em
obra delitiva comum.
“Nos crimes
dolosos, os participantes devem atuar com vontade homogênea, no sentido de
todos visarem a realização do mesmo tipo penal. A esse fenômeno dá-se o nome de
princípio da convergência”.
Neste ponto, é preciso explicar que a exigência de liame
ou vínculo subjetivo não significa a necessidade de ajuste prévio (pactum
sceleris) entre os delinquentes. Não se exige conluio, bastando que um agente
adira à vontade do outro.
Forçosa é a conclusão de Rogério Greco, ao afirmar que
“se não se conseguir vislumbrar o liame subjetivo entre os agentes (crimes
dolosos), cada qual responderá, isoladamente, por sua conduta”. Exemplifica o
autor:
“No caso
clássico em que A e B atiram contra C, sendo que um deles acerta mortalmente o
alvo e o outro erra, não se sabendo qual deles conseguiu alcançar o resultado
morte, dependendo da conclusão que se chegue com relação ao vínculo psicológico
entre os agentes, as imputações serão completamente diferentes”.
Vejamos as duas conclusões possíveis trazidas pelo
eminente professor Greco:
- “Se dissermos que A e B agiram
unidos pelo liame subjetivo, não importará saber, a fim de condená-los pelo
crime de homicídio, qual deles, efetivamente, conseguiu acertar a vítima,
causando-lhe a morte. Aqui, o liame subjetivo fará com que ambos respondam pelo
homicídio consumado”;
- “Agora, se chegarmos à
conclusão de que os agentes não atuaram unidos pelo vínculo subjetivo, cada
qual deverá responder pela sua conduta. No caso em exame, não sabemos quem foi
o autor do resultado morte. A dúvida, portanto, deverá beneficiar os agentes,
uma vez que um deles não conseguiu alcançar o resultado morte, praticando, assim,
uma tentativa de homicídio. Dessa forma, ambos deverão responder pelo crime de
homicídio tentado”.
Frise-se que ausente o liame subjetivo entre os agentes
de crime doloso não há falar em concurso de pessoas; pode haver, na espécie, a
depender das circunstâncias do caso concreto, autoria colateral ou incerta ou
desconhecida, mas nunca co-delinquência.
Quanto aos delitos culposos, em que pese antiga
divergência sobre a possibilidade de concurso de pessoas, modernamente tem se
admitido, com certa tranquilidade, que alguém possa conscientemente contribuir
para a conduta culposa de terceiro, residindo o elemento vontade na realização
da conduta, e não na produção do resultado.
Observe que, aqui, diferentemente do concurso de
pessoas no crime doloso, o binômio consciência e vontade não repousa sobre o
objetivo de alcançar fim criminoso comum (isto é, de praticar certo crime), mas
sim de realizar a conduta culposa, manifestada na imprudência, imperícia ou negligência.
Por isso, importante diferenciar o liame subjetivo,
que existe no concurso de pessoas em crimes dolosos, do vínculo normativo,
apresentado em face dos crimes culposos.
2.4.
Identidade de infração penal.
Este, que é o quarto e último requisito,
representam, na verdade, assim como o primeiro, mera obviedade. Aliás, Damásio
afirma tratar-se a “identidade de infração para todos os participantes” não
propriamente de um requisito, mas sim de verdadeira “consequência jurídica
diante das outras condições”.
De fato, impossível falar em concurso de pessoas se
a concorrência criminosa, envolvendo dois ou mais agentes, cada um com sua conduta,
interligados, no entanto, por vínculo subjetivo, não se destinar à prática de
certa e determinada infração penal. Enfim, a unidade de infração penal
apresenta-se, conforme o posicionamento adotado:
a) Como requisito indispensável ao
concurso de pessoas;
b) Como produto lógico-necessário em
face do concurso de agentes.
Destaque-se que a infração penal deve ser ao menos tentada,
já que o CP expressamente previu, no art. 31, que “o ajuste, a determinação ou
instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis,
se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”.
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